quinta-feira, 25 de abril de 2024

O Brasil registra número recorde de conflitos no campo em 2023, conforme relatório da Comissão Pastoral da Terra




 

Os conflitos por terra no Brasil aumentaram 7,6% e afetaram 187.307 famílias em 2023, com 1.724 ocorrências. Esse número é o mais alto registrado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde o início da série histórica em 1985.



*Por comunicação CNBB 



Ao som de um lamento, ao ritmo grave e cadenciado do atabaque, três membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) cantaram: “Chega Mãe Bernadete, chega Edvaldo, chega Fernando, chega por aqui, eu mandei tocar chamada, foi para resistir”. Esse momento marcou o início do lançamento do Caderno Conflitos no Campo 2023, realizado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Brasília–DF, em 22 de abril de 2024.


Maria Bernadete Pacífico foi tragicamente assassinada em agosto de 2023 com 12 tiros no quilombo Pitanga dos Palmares, na região Metropolitana de Salvador. Por defender a mesma causa, o direito ao território, Edvaldo Pereira Rocha, líder do quilombo Jacarezinho (MA), foi assassinado em abril de 2022 com seis tiros.


Em outra situação, mas no mesmo contexto, Fernando Araújo dos Santos, um trabalhador rural sem-terra e sobrevivente do Massacre de Pau D’Arco no Pará, foi morto a tiros em janeiro de 2021. Mãe Bernadete, Edvaldo e Fernando não são exceções isoladas; no Brasil, há pessoas sendo mortas ao tentar proteger seus territórios e o meio ambiente de forças predatórias.


Sinais de esperança


O bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Ricardo Hoepers, deu as boas-vindas aos participantes e enfatizou que as dores, sofrimentos e mortes mencionadas no relatório representam as dores de Jesus Cristo. Ele destacou que a presença das pessoas que representam os agentes da CPT de todo o Brasil são sinais de esperança e ressurreição de Cristo. Em nome dos bispos do Brasil, dom Ricardo expressou sua gratidão pelo trabalho realizado pela CPT.


O administrador da prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da CPT, dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, SDV, enfatizou a importância da publicação do caderno para expor as violações de forma transparente. “O objetivo deste caderno é manter-se fiel ao Deus dos pobres e à terra que pertence a eles”, disse.


Ele ressaltou que a publicação possui uma base teológica, lembrando que Deus escuta o clamor dos pobres. Dom Ionilton destacou também a dimensão ética do material, pois a luta pela terra é uma questão de justiça que requer uma ordem social equitativa. Salientou a necessidade de uma sociedade organizada para combater a violência no campo e salvar vidas. Além disso, mencionou a importância política do caderno, auxiliando as lideranças a serem protagonistas de suas histórias com base em dados seguros e recordou que a CPT tem como missão ser parceira, não substituta, dos trabalhadores em suas lutas.


Outra dimensão do caderno, segundo o bispo, é a pedagógica porque promove transformações necessárias e históricas, mantendo vivas as lutas passadas e inspirando as futuras gerações. Por fim, destacou que o conteúdo possui embasamento científico, passando por processos rigorosos de levantamento e consolidação de dados antes da publicação, incluindo averiguações, confirmações e análises.




Dos conflitos no Brasil


Dos 2.203 conflitos no campo registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2023, no relatório Conflitos no Campo Brasil, a maior parte é relacionada aos conflitos por terra (78,2%), representando 1.724 ocorrências. Em relação ao ano de 2022, houve um aumento de 7,6% no número de ocorrências nesse eixo, em que 187.307 famílias tiveram suas vidas impactadas pelas violências desse tipo de conflito.


Os números revelam uma intensificação da violência contra os povos da terra, das águas e das florestas, que vivem sob a mira dos conflitos no campo no Brasil. Do total de conflitos por terra em 2023, 92,1% é referente às Violências contra a Ocupação e a Posse e/ou contra a Pessoa (1.588), representando um aumento de 4,3% nos registros de violência nesse eixo em relação ao ano anterior.


Subvertendo tamanha violência, os povos e comunidades do campo somam ações coletivas de resistências. As novas Ocupações/Retomadas (119) e os novos Acampamentos (17) superaram em 60,8% e 240%, respectivamente, os números de 2022. As ações de Retomada foram protagonizadas por indígenas (22) e quilombolas (3), já as ocupações (94) foram realizadas pelas demais identidades sociais camponesas. Os sem terra e posseiros foram responsáveis por todos os novos Acampamentos em 2023, que representam um aumento expressivo em relação ao ano anterior, mas ainda demonstram números tímidos em relação aos dados alarmantes de violências contra as comunidades, que cresceram intensamente neste mesmo período.


Em 2023, a discrepância entre os números de violência e ações de resistências nos conflitos por terra continuou na tendência de crescimento iniciada em 2016. Este ano, os registros apontam 92,1% correspondente às violências, enquanto as ações de resistências representam apenas 7,9% das ocorrências. As análises presentes no relatório apontam que esse quadro é resultado da escalada da extrema direita, com a reconfiguração das forças políticas e econômicas após o Golpe/Impeachment, somada ao trágico e criminoso governo Bolsonaro, que promoveu uma verdadeira política de ódio contra os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, os tornando ainda mais vulnerabilizados, como expresso nos dados dos últimos anos.


Este contexto sociopolítico não apenas permitiu, como preparou o terreno para que o agronegócio avançasse inescrupulosamente contra as comunidades do campo, que enfrentam cotidianamente invasões de suas terras e territórios, pistolagem, incêndios criminosos, contaminação por agrotóxicos, grilagem e desmatamento, entre tantos impactos sofridos pelos povos em defesa de seus modos de vida, dos direitos humanos e da natureza. Agrupando as categorias de agentes causadores de violências identificados como fazendeiros, grileiros e grandes arrendatários, em 2023, foram registradas ocorrências de pistolagem (165), invasão (181), grilagem (86), desmatamento ilegal (67), incêndios (34) e contaminação por agrotóxicos (21) como algumas das violências promovidas por eles no Eixo Terra.


Geografia dos conflitos por terra


Dos estados em que mais se registraram conflitos por terra, destacam-se a Bahia (202 ocorrências), seguida do Pará (183), Maranhão (171), Rondônia (162) e Goiás (140). Do recorte por região, a que apresenta maiores números de conflitos por terra é a região Norte (700 ocorrências), que acumula 40,6% do total, seguida da Nordeste (530), representando 30,7%. A região Centro-Oeste registrou 300 ocorrências (17,4%), a Sudeste obteve 106 registros (6,1%), e a região Sul, com 88 (5,1%).


Principais causadores das violências


Em 2023, o principal agente causador das violências no Eixo Terra foi o Fazendeiro, responsável por 31,17% das violências, seguido da categoria Empresário, com 19,71%, o Governo Federal, com 11,02%, Grileiro, com 9,06% e o Governo Estadual, com 8,31%. Houve uma diminuição nos números de violências causadas pelo Governo Federal, passando de 240, em 2022, para 175 ocorrências, em 2023, uma diminuição de 27,1%.


Nesse, o tipo de Violência contra a Ocupação e a Posse denominada Omissão/Conivência cujo Governo Federal foi o agente causador diminuiu de 214 ocorrências, em 2022, para 165, em 2023 (-22,9%). Algumas mudanças de atuação do novo governo podem justificar a diminuição desses números, com a abertura de canais de diálogos com movimentos e organizações de luta no campo, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas e do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).


Já em relação aos Governos Estaduais, os dados revelam um aumento de 109,5% no número de violências causadas, passando de 63 ocorrências, em 2022, para 132, em 2023. Foram 13 tipos de violência protagonizados por este agente causador, com destaque para Omissão/Conivência (58 ocorrências) e as ações policiais de intimidação armada e ameaças variadas (103 ocorrências). Em 2023, os estados de Goiás e Bahia estiveram à frente neste recorte de categoria que causou a ação.


Indígenas e posseiros são as principais vítimas


É sempre válido enfatizar que os dados não são apenas números, é preciso humanizá-los. Os registros da CPT evidenciam a intensidade e os tipos de violência a que estão submetidos os povos do campo, das águas e das florestas. Por trás dos números dos conflitos está o martírio de famílias, povos e comunidades que vivem uma rotina de ataques contra suas vidas e suas terras e territórios. Povos que sofrem com ameaças, expulsão, destruição de suas casas, pertences e roçados, despejos e outras diversas violências já mencionadas.


Como no ano anterior, os Indígenas continuam a ser a categoria que mais sofreu violência no Eixo Terra, com 29,6% do total de violências registradas. Desde 2019, os povos originários aparecem nos registros da CPT como a categoria que mais vem sofrendo violências nesse eixo. Em 2023, não foi diferente: com um crescimento de 10,8% em relação a 2022, os indígenas foram as vítimas em 470 ocorrências de violências por terra.


Em número de ocorrências, seguem os Posseiros (18,7%), os Sem Terra (17,5%), os Quilombolas (15,1%), e os Assentados (6,7%). O relatório destaca um aumento de 61,6% das violências sofridas pelos sem terra, passando de 172 ocorrências em 2022, para 278 em 2023. Esse aumento pode ser decorrente do crescimento do número de novas ocupações e acampamentos, uma vez que nos territórios em que houve estas ações de resistências foram registradas, em 2023, 96 ocorrências de Violência contra a Ocupação e a Posse, 34,5% do total das violências sofridas pelos sem terra.




A rotina de ataques contra povos e comunidades


Os dados levantados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT) permitem aprofundar nos tipos de violência sofridas pelas comunidades no contexto da luta pela terra. Como nos últimos dez anos, Invasão é o tipo de Violência contra a Ocupação e a Posse com o maior número de registros em 2023. Foram 359 ocorrências de invasões no ano, que afetaram 74.858 famílias.


O ano de 2023 também foi o que mais se registrou ocorrências de Expulsão no último decênio e o segundo em que mais se registrou famílias expulsas dos territórios. Foram 37 ocorrências, que envolveram 2.163 famílias. Destaca-se que, dessas 37 ocorrências, 59,4%, contaram com algum tipo de apoio das forças policiais, evidenciando a respaldo dessas forças no processo de retirada das famílias das áreas, sem que houvesse a mediação do Poder Judiciário.


Outro tipo de violência que se destacou foi em relação às ocorrências de Despejo Judicial, com aumento de 194,1%, passando de 17, em 2022, para 50 em 2023. O crescimento sucede um período de diminuição dos casos, devido a suspensão dos despejos coletivos, proposto na Arguição de Descumprimento de Poder Fundamental (ADPF) 828, entre meados de 2020 e final de 2022, com o intuito de evitar os impactos maiores da pandemia junto às populações vulneráveis. Passado esse período, percebe-se que a atuação de fazendeiros e empresários do campo segue respaldada pelo Poder Judiciário, voltando fortalecida em 2023.


Em relação às ocorrências de Grilagem, em 2023 foram registrados 152 casos, envolvendo 29.797 pessoas. Desses, 25% ocorreram em territórios indígenas (38 ocorrências), e 26,3% ocorreram em terras de famílias posseiras. Os casos de Pistolagem registraram um aumento de 45%, com 264 ocorrências. Dessas, 113 contaram com algum apoio das forças policiais. Os sem terra foram os principais alvos das ações de Pistolagem, representando 130 ocorrências, seguidos pelos posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19). Os números de Desmatamento Ilegal e Incêndios caíram em 2023, com redução de 33,3% e 38,6%, respectivamente. Foram registradas 27 ocorrências de contaminação por agrotóxicos no Eixo Terra, com 2.068 famílias atingidas no ano.


Conflitos pela Água representam 10,21% dos conflitos. Nos últimos anos, verifica-se uma queda nas ocorrências de Conflitos pela Água, após um pico de registro em 2019, o que demonstra os impactos dos crimes de Mariana, Brumadinho e do vazamento de petróleo de um navio cargueiro no litoral brasileiro naquele ano. Em 2023, as ocorrências de conflitos no Eixo Água chegaram a 225, número 1,32% menor que os 228 registrados em 2022.


A região Nordeste concentra o maior número de Conflitos pela Água, com 71 ocorrências. Entre os estados com mais registros, estão o Paraná (44), a Bahia (34), o Maranhão (22) e o Pará (22). Dentre os causadores das violências contra as comunidades nesse eixo, o Fazendeiro ficou em primeiro lugar, com 27,56%, seguido por Empresário nacional e internacional, com 21,33%, do Governo Estadual, com 19,56%, e Mineradora nacional e internacional, com 10,22%. As cinco categorias de identidades sociais que mais sofreram com ações violentas foram os Indígenas (24,44%), Pescadores (21,78%), Ribeirinhos (13,33%), Quilombolas (12,44%) e Assentados (8,44%).


A principal Situação de Conflito pela Água registrada em 2023 foi o Não Cumprimento de Procedimentos Legais (78 ocorrências), decorrente da violação de direitos das comunidades, que são atacados por inúmeras formas de projetos de empreendimentos que têm a água como objetivo central de atuação. Em seguida, as situações de Destruição e/ou Poluição (56), sendo a maioria decorrente do Uso e Preservação (46 ocorrências).


Os registros de Diminuição de Acesso à Água somaram 37 ocorrências em 2023, que representam as várias dificuldades criadas às comunidades para acessarem os corpos d’água. A Contaminação por Agrotóxico resultou em 26 ocorrências de conflitos pela água, um aumento de 52,9% em relação aos números de 2022. Os conflitos pela água são permeados por denúncias por parte de povos, comunidades e organizações sociais aos projetos de empreendimentos predatórios, uma vez que atuam por meio da apropriação, contaminação, privatização e mercantilização desse bem comum.





*Texto - Osnilda Lima, com informações da Comissão Pastoral da Terra. Fotos - Imagens: Rodolfo Santana / Cáritas Brasileira Texto publicado originalmente no  site Cepast-CNBB 


quinta-feira, 18 de abril de 2024

Comissão da CNBB divulga manifesto diante aos fatos relacionados ao tráfico de pessoas no Pará e Rio Grande do Sul

 



 A nota exige celeridade nas investigações das denúncias e punição aos responsáveis pelos crimes

 


Por Comunicação | CEETH

 

Nesta semana os veículos de comunicação brasileiro anunciaram fatos relacionados ao crime de tráfico de pessoas que chocaram a sociedade. Corpos em decomposição foram encontrados em uma embarcação à deriva no estado do Pará e trabalhadores recebiam pedras de crack como forma de pagamento no estado do Rio Grande do Sul. Os fatos envolvem migração forçada e situação de trabalho escravo contemporâneo. A Comissão Episcopal Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CEETH-CNBB), divulgou um manifesto exigindo celeridade nas investigações das denúncias e punição aos responsáveis pelos crimes.

 

 

A nota destaca as denúncias que revelam sinais de violações aos direitos humanos e a preocupação diante ao número crescente da migração forçada em todo o mundo. “Basta de escravidão! Não podemos mais aceitar a perpetuação desse crime terrível, que afeta várias pessoas: crianças, mulheres, trabalhadores…, muitas pessoas exploradas; todas vivem em condições desumanas e sofrem a indiferença e o descarte da sociedade”. Diz um trecho da nota.

 

Referente aos fatos denunciados pela imprensa estão em processo de investigação. Os corpos encontrados cerca de 215 quilômetros de Belém (PA), na região de Bragança, a Marinha informa que a embarcação não aparenta danos e ainda passa por perícia. A Polícia Federal informou que os documentos encontrados indicam que as vítimas têm origem da África. Os homens resgatados da situação de trabalho escravo em Taquara, região Metropolitana de Porto Alegre/RS, um suspeito foi preso por recrutar os trabalhadores e os trabalhadores encaminhados para os serviços de apoio.

 

 

Leia o manifesto na Íntegra ou se preferir, baixe o documento.

  


População local não tem conseguido acessar áreas no Geoparque Seridó, Rio Grande do Norte

 

 

Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo


A região é muito frequentada por moradores locais no período das cheias, a exemplo da Cachoeira dos Fundões

 

*Por Louise Chacon (Agência Saiba Mais)

 

    Os moradores do município de Carnaúba dos Dantas (RN) e demais cidades próximas estão sem conseguir acessar uma parte das áreas inseridas no Geoparque Seridó. Uma denúncia que chegou aos canais da Agência Saiba Mais afirma que “Atualmente a área com a maior concentração de sítios arqueológicos do RN está fechada pela empresa Casa dos Ventos. Também é um lugar com muitas cachoeiras, que os locais usavam para lazer e visitar o lugar onde seus ancestrais deixaram marcas”.


Joadson Silva, arqueólogo colaborador do Instituto Seridó Vivo, afirmou à Agência que trata-se das áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água e Riacho do Cardão, que entraram em processo de privatização no ano passado pela empresa Ventos de São Cléofas Energias Renováveis, pertencente ao grupo Casa dos Ventos Energias Renováveis, com o intuito de construir o complexo eólico Pedra Lavada. A área conta com um total de mais de 50 arqueológicos, incluindo a Cachoeira dos Fundões, muito visitada pela população local durante esse período de chuvas. Vale lembrar que a maior área de sítios arqueológicos do Geoparque fica em Carnaúba dos Dantas.


  "A população do Seridó guarda a memória dos ancestrais indígenas"


Como explica Silva, além da importância científica e turística, a região privatizada trata-se de uma área de grande significado para a população do Seridó, especialmente dos municípios de Carnaúba dos Dantas, Acari e Picuí. “É uma área que a população usa para o lazer, como para se banhar na Cachoeira dos Fundões e outras cascatas existentes nos cursos d'água quando acontecem essas cheias”, ressalta o arqueólogo, se referindo ao período de chuvas. “E agora essas pessoas estão sem conseguir acessar essa cachoeira para se banhar e contemplar a natureza”.

 

Para além do direito ao lazer, a população local também visita esses espaços para se conectar com a própria ancestralidade, lembra Silva. “É uma área na qual a população vai coletar umbu, pois há uma grande quantidade de umbuzeiras”, pontua o arqueólogo, que tem raízes em Carnaúba dos Dantas. “O que vocês estão vendo em Gargalheiras, por exemplo, da população cultuando a água, é muito mais do que turismo e lazer: é a forma como nós aqui do Seridó nos conectamos com a nossa terra e com a nossa água”, pontua.

 

“As pessoas também visitam os lugares onde estão pinturas e gravuras rupestres, sabendo que ali é um local de seus e suas ancestrais. A população do Seridó guarda a memória dos ancestrais indígenas, e para além disso, a história indígena não é coisa do passado. Existe população indígena no Seridó”, ressalta Silva.

 

Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo

"A área, ao ser preparada para implantar os aerogeradores, tende a ser dinamitada"


O professor Fabio Mafra Borges, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), campus Caicó, destaca a questão do patrimônio arqueológico da região. “É um tipo de bem cultural que geralmente fica relegado a segundo plano e subutilizado como recurso turístico”.

Para Borges, a implementação desses empreendimentos de energias renováveis, tanto eólica quanto solar, “mesmo com o cumprimento das regulamentações, têm de certa forma impactado esses bens culturais”.

O professor explica que determinados bens não podem ser restringidos, principalmente os bens arqueológicos, como os sítios pré-históricos, por já serem registrados como patrimônios nacionais e da humanidade com base na constituição de 1988 e nas cartas patrimoniais internacionais.

 

“Mesmo que seja uma propriedade privada, o dono pode gerenciar a entrada, mas não pode impedir o acesso”, afirma Borges.

 

Ele ainda ressalta os danos ao patrimônio que esses empreendimentos podem causar na região. De acordo com o professor, a abertura de estradas na região, por exemplo, pode causar desmatamento, uma vez que a quantidade de sedimentos que o vento e as águas transportam   seria maior, colaborando para apagar ou cobrir as pinturas rupestres. “Além disso, a área, ao ser preparada para implantar os aerogeradores, tende a ser dinamitada. Apesar de ser um processo bem calculado, com isso o impacto sísmico pode afetar o suporte rochoso onde existem essas pinturas”.

 

Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo


"Patrimônio arqueológico de importância mundial"


O complexo eólico Pedra Lavada

 

A população do Nordeste tem sofrido bastante com a implementação massiva dos empreendimentos da energia renovável, como argumenta Joadson Silva. “E aqui no Seridó, já tem vários empreendimentos eólicos, que estão crescendo, tanto em número da quantidade dos aerogeradores, como na questão de irem para outras terras sagradas da região, sendo a primeira na Serra de Santana. E como tem acontecido em todo o Nordeste, eles têm afetado drasticamente a população e o meio ambiente, que não estão desconectados um do outro”.


A restrição de uso territorial, os grandes desmatamentos, a poluição sonora e a poluição que afeta a produção da agricultura, além de efeitos na paisagem. Esses são alguns dos problemas que os empreendimentos de energias renováveis têm causado no Nordeste, como elenca Silva. Nesta segunda-feira (15), a Agência Saiba Mais noticiou que, em decisão inédita, a justiça potiguar condenou uma empresa de energia eólica a indenizar um morador da zona rural do RN, em Serra de Santana, devido aos danos morais sofridos pela poluição sonora.

“Essa área que hoje tem a chancela de Geoparque Seridó pela Unesco, antes disso, já era área arqueológica do Seridó, concentrando 50 municípios, no Rio Grande do Norte e na Paraíba e com um patrimônio arqueológico de importância mundial. As áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água, e Riacho do Cardão, em Carnaúba dos Dantas concentram a  maior quantidade de sítios arqueológicos. Além disso, corre risco  também o mais antigo cemitério indígena do Rio Grande do Norte e do mundo, a Pedra do Alexandre, local que possui sepultamentos com mais de 10 mil anos.”, explica Silva.

O Instituto Seridó Vivo e outras entidades vêm atuando, desde o ano passado, quando a construção do complexo Pedra Lavada foi anunciado, para que esses parques eólicos não venham a ser construídos na área. De acordo com Silva, “Esse parque se sobrepõe a todos esses sítios arqueológicos e às comunidades tradicionais, bem como a uma área que tem a Caatinga preservada”.

 

No ano passado, a Agência Saiba Mais noticiou que pesquisadores de diversas áreas e outros representantes da sociedade civil lançaram, na ocasião, uma nota técnica em que alertam sobre os impactos que o Complexo Eólico Pedra Lavrada pode causar na região.

 

Para essa presente matéria, a Agência não conseguiu entrar em contato com a empresa, deixando o espaço aberto para manifestação. Mas no ano passado o empreendimento se posicionou em nota, afirmando que o projeto “foi objeto de um profundo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que se estendeu por três anos e contou com avaliação da geodiversidade, mapeamento, inventário e caracterização do patrimônio turístico, patrimônio histórico e cultural”. Por isso, de acordo com a nota, não haverá “danos ao patrimônio geológico – pelo contrário, as ações previstas envolvem a corresponsabilidade da empresa, junto aos órgãos públicos, na identificação, proteção e o monitoramento desse patrimônio na área dos parques”.

 

Foto: Acervo Instituto Seridó Vivo

Resposta

O Geoparque Seridó afirmou à Agência Saiba Mais que um dos motivos para essa área da Cachoeira dos Fundões estar fechada no momento seria devido ao risco de acidente identificado pela Defesa Civil, em razão das 'cabeças d´água' que as chuvas trouxeram ao local.


*Matéria compartilhada com autorização da agência Saiba Mais . 

 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Indústria de energia eólica causa danos ambientais e gera risco para povos e comunidades tradicionais

 

Usina Eólica de Aracati (CE) - Foto| Cláudia Pereira - APC


Durante seminário que debateu a transição energética, organizações sociais visitam comunidade impactada por megaprojetos e alerta sobre a energia renovável que gera risco


Por Cláudia Pereira | APC 


“Água sim, urânio não, água para o povo e não para a mineração e o vento não está para venda não”. A frase ecoou na abertura do seminário que debateu os modelos de transição energética no Brasil realizado entre os dias 02 e 04 de abril em Fortaleza (CE). O tema “transição energética” é um dos assuntos mais comentados atualmente, em razão da crise climática. Mas afinal, o que significa transição energética? Seguindo o significado da primeira palavra que é indicativo de mudanças, parece fácil de entender se o tema não fosse tão complexo e agressivo para o modo de vida dos povos e comunidades tradicionais.


A transição energética é um conceito aplicado às mudanças de estruturas das matrizes energéticas que pode ser de curto a longo prazo. Esmiuçando o seu significado, a transição energética faz referência a mudança de uma matriz que tem como sustento os combustíveis fósseis, a exemplo do petróleo, carvão e o gás natural, para fontes de energia que se "regeneram" no meio ambiente, também chamadas de renováveis. 


“O Seminário transição ou transação energética? Agenda internacional, financiamentos e repercussões”, aprofundou a reflexão sobre os modelos de transição energética e os impactos socioambientais provocados pela exploração de energia renovável diante ao cenário da crise climática. O estado do Ceará, nos últimos três anos, tem investido em negociações, acordos e legislações para participar do mercado de exportação de hidrogênio verde.  O Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), estimou o valor de 22 bilhões para a implantação da modalidade de energia eólica no setor privado. Só no estado do Ceará é previsto o total de 10 empreendimentos para os próximos anos. 


Com o questionamento “Transição ou Transação Energética”?  O seminário começou com intercâmbio nas comunidades impactadas por megaempreendimentos relacionados à energia. Os participantes se dividiram em grupos e visitaram o assentamento da reforma agrária de Queimadas em Santa Quitéria, que enfrentam a especulação de exploração de urânio, o Conjunto Palmeiras, em Fortaleza que buscou alternativas agroecológicas para enfrentar a especulação imobiliária que destruiu uma área de preservação e a comunidade do Cumbe, em Aracati que enfrenta um campo de energia eólica e a carcinicultura, (técnica de criação de camarões em cativeiro). A reportagem da Articulação acompanhou a comitiva que visitou a comunidade do Cumbe.


Comitiva em visita a comunidade do Cumbe - Foto | Cláudia Pereira


Intercâmbio na comunidade quilombola 


Sob um sol forte, temperatura de 32º e sensação térmica de 40º que fazia naquele segundo dia do mês de abril, a comunidade quilombola recebeu a comitiva formada por representantes de organizações sociais. Após a acolhida, os integrantes participaram do momento de escuta das lideranças. A visita ao território teve como objetivo, analisar os modelos hegemônicos de transição energética, suas relações com a política climática e a política de financiamento da transição que impactam a vida dos povos da cidade, do campo, das florestas e das águas. 

 

A comunidade quilombola de pescadores/as artesanais e marisqueiros/as fica a 150 km de Fortaleza e ao lado de Canoa Quebrada, ponto turístico mais famoso do estado do Ceará. A comunidade é composta por mais de 110 famílias que se reconhecem como quilombolas. Uma série de violações de direitos humanos, compõem os enfrentamentos no território que compromete inclusive a produção de alimentos para consumo da comunidade. Os geradores destes conflitos envolvem a usina eólica, a carcinicultura e políticos da região. 


 O território possui muita água, mas o abastecimento é de baixa qualidade, existe produção de energia, porém as famílias pagam caro pelo serviço. A fazenda de produção de camarão, além de invadir o território, causou impacto socioambiental gigantesco. Os grandes empreendimentos que chegaram na década de 1990 com a carcinicultura se intensificaram nos anos 2000 com a implantação da usina eólica. O impacto ambiental gerado pela usina é comprovado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), que alertou para o desastre causado pelo desmatamento e soterramento de dunas que passaram pelo processo de terraplenagem; ou seja, as lagoas foram soterradas e os manguezais que já sofriam com a degradação da carcinicultura, foram mortos. 

“Nós começamos a reparar a mortandade dos caranguejos, peixes e mariscos que colhíamos. Não entendemos a razão. Ficamos nos questionando o que estava acontecendo. Aqui é um aquífero de água doce que inclusive abastece a região. Depois percebemos que a morte dos peixes e mariscos era decorrente da carcinicultura, a água de dejetos das fazendas, contaminou o mangue, contaminou tudo. O nosso sustento estava ameaçado, nesse momento aumentou ainda mais a nossa luta”. Partilhou Luciana dos Santos, integrante da comunidade. 


Foto | Cláudia Pereira - APC


Entre os enfrentamentos constantes em defesa do território, por um tempo a comunidade ficou sem utilizar de seu próprio espaço, as famílias foram impedidas de realizar atividades e frequentar a praia. A comunidade articulada e organizada paralisou a usina por 19 dias e o resultado foi uma vitória importante. Após a empresa perder bilhões, foi a realizada uma audiência no município para reivindicar direitos e resultou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pela empresa, garantindo “redução de danos” e permitir o direito de usufruir do espaço que sempre foi da comunidade centenária e quilombola. 

“Imagina a situação. Somos pertencentes deste território e chega alguém que instala seu empreendimento e impõe regras de como devemos nos comportar.  Nós, povos tradicionais, tínhamos que deixar de pescar e praticar as nossas atividades por causa de imposições. Denunciamos as diversas violações da usina eólica e foi assinado um termo de conduta do qual a empresa responderá por qualquer dano causado contra a comunidade”, comentou João do Cumbe, historiador e ambientalista do Quilombo do Cumbe. 

Após o momento de partilha, a comunidade realizou uma visita com a comitiva na área da usina eólica que foi obrigada a liberar o acesso para a comunidade. O início do empreendimento foi realizado pela empresa Bons Ventos e atualmente é administrado pela empresa CPFL Renováveis, que tem sede no estado de São Paulo. A CPFL obteve lucro de 1,32 bilhão só no quarto trimestre de 2023, segundo informações da Bolsa de Valores de São Paulo. 


Enquanto a comitiva visitou a comunidade, carros e seguranças da empresa observavam a movimentação e anotaram as placas dos carros que entraram na área das torres eólicas.


Carro da empresa da usina eólica que ocupou a comunidade do Cumbe. Foto | Cláudia Pereira - APC
 

Reflexões dos modelos de transições e a realidade das comunidades impactadas

De volta a Fortaleza, no dia seguinte os grupos partilham as experiências no debate que foi realizado no Auditório Murilo Aguiar, da Assembleia Legislativa do Ceará. Na apresentação dos painéis, o sinal de alerta foi apontado diversas vezes. Entre os alertas, destaque para observar com atenção a narrativa do debate e ações que se referem a pauta sobre a transição energética que será inserida na agenda internacional nos próximos dois anos das cúpulas do G20, Brics e na COP 30 que será realizada no Brasil em 2025. 

Os grandes empreendimentos que envolvem o setor de energia eólica, fotovoltaica, mineração e outros que impactam as comunidades, são realizados com anuência do Estado, recursos públicos, em consulta aos territórios e beneficiam grandes corporações e o agronegócio. “O aumento da oferta de energia renovável pode causar risco de segurança de abastecimento. Além dos impactos ecológicos, existe a questão do equilíbrio elétrico”. Expressou a economista Clarice Ferraz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que contribuiu para as reflexões no seminário. 

De acordo com os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o país possui mais de 900 usinas eólicas e 80% instaladas na região nordeste. O governo investiu mais de 175 bilhões para acrescentar 25 gigawatts (GW) de potência que foram contratados em leilões. O que significa que a implementação das usinas eólicas sem consulta, continuará impactando a biodiversidade e gerando riscos profundos para os povos e comunidades tradicionais da costa brasileira. 

Em dois dias de reflexões, o seminário analisou o contexto atual, a atuação das instituições que financiam os grandes empreendimentos, o papel do governo brasileiro diante aos grandes grupos econômicos e principalmente o racismo ambiental que os povos vivenciam diariamente e são os que mais sofrem diante dos megaprojetos. 

“O que está sendo projetado para ser ocupado no mar equivale a 55 cidades de Fortaleza. Estão sendo projetadas 27 usinas no estado do Ceará e mais uma quantidade no estado do Rio Grande do Norte, isso irá destruir a pesca artesanal e é isso que precisamos fazer ecoar no G20”. Alertou Soraya Tupinambá, socioambientalista do Instituto Terramar. 


O seminário finalizou com preposições que surgiram das reflexões e dos questionamentos referentes às ações das agendas a nível local, nacional e internacional, que inclui o G20 e a COP30. Foram indicados vários elementos que serão organizados e encaminhados para traçar caminhos de enfrentamento e dar visibilidade para as denúncias de danos ambientais e as diversas violações contra a vida dos povos. A expansão energética de renováveis beneficia grupos de interesse do capital, a energia eólica não é limpa, degrada e a exploração de urânio ameaça toda forma de vida. 

Foto | Cláudia Pereira - APC 

O momento de escuta foi oportuno para os participantes e a comunidade quilombola. Pescadores/as, marisqueiros/as e artesãs relataram o enfrentamento da usina de energia eólica e a carcinicultura. Entre as denúncias ao modelo atual dos megas projetos que impactam a vida dos povos, a comunidade afirma a importância da articulação, organização para lutar para o bem viver e o direito de acesso a terra livre. 





A organização do evento disponibilizou materiais com conteúdos ricos a exemplo do Caderno para entender o G20, Da transição energética à transição ecológica: a contribuição da justiça ambiental e um convite ao debate. No último dia foi exibido o curta-metragem o "Maré braba", uma animação dirigida por Pâmela Pelegrino, que retrata a reação das águas do mar às mudanças climáticas.  Clique para acessar o conteúdo:



Caderno para entender o G20

Da transição energética à transição ecológica

Curta-metragem o "Maré braba"


A realização do seminário é resultado de uma articulação organizadora integrada pela Adelco – Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Cáritas Brasileira Regional Ceará, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), De Mãos Dadas Criamos Correnteza, ESPLAR Centro de Pesquisa e Assessoria, Frente por uma Nova Política Energética, Instituto PACS, Instituto Terramar, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimento de Atingidos por Renováveis – MAR, Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM, Observatório da Cultura e Meio Ambiente – Unilab, Rede Brasileira de Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul Brasil, além da parceria com a Associação Fórum Suape, Marcha Mundial de Mulheres e  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Ceará.


#EólicaDanosAmbientais  #PovoseComunidadesTradicionais  

terça-feira, 9 de abril de 2024

Comunidade quilombola Onça, Santa Inês (MA) sofre ameaças e lideranças estão sendo perseguidas por homens encapuzados

 



Imagem: acervo da comunidade


Por Cláudia Pereira | APC 


Desde os primeiros dias do mês de Abril, o Quilombo Onça, tem vivenciado diariamente ameaças contra a vida de lideranças e da comunidade. Os relatos informam que homens andam a cavalo e de carro pelo território encapuzados e armados. Na semana passada, um suspeito se aproximou do acampamento procurando por uma das lideranças. O homem que já esteve ao menos três vezes na comunidade, disse que foi a mando do fazendeiro para “resolver” situações de terra. A comunidade acionou os órgãos de defesa dos direitos humanos e a segurança do estado do Maranhão. A polícia fez ronda no local, porém até o momento não foi realizada nenhuma medida efetiva. Não bastasse as ameaças, os animais do fazendeiro estão destruindo as plantações de roças da comunidade. A sensação é de pânico e repressão, disse um dos moradores.

 

A comunidade quilombola Onça tem sofrido perseguições constantes nos últimos anos. Em 2022, um dos fazendeiros, identificado como Franciano Oliveira Sousa, autorizou a derrubada de mata nativa dentro do território, que incluíam árvores frutíferas e uma grande área da palmeira babaçu que impactou no sustento de mais de 50 famílias.

 

O Quilombo Onça foi certificado como comunidade remanescente pela Fundação Palmares, tem o Relatório Antropológico (RA) aprovado pelo INCRA, mas faltam as demais peças do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID.

 

É importante afirmar que o estado do Maranhão tem registro de um alto índice de violência contra os povos e Comunidades Tradicionais. É urgente garantir a posse definitiva, a titulação dos territórios dos povos tradicionais.

 

Homem encapuzado percorrendo a comunidade. 

 

#violênciaNoCampo #BastadeViolência

#MOQUIBOM

 


domingo, 7 de abril de 2024

Material para a 39ª Semana do Migrante, de 16 a 23 de junho de 2024

 





O Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) compartilha cartaz e outros materiais para organizar rodas de conversa na 39ª Semana do Migrante, agendada de 16 a 23 de junho de 2024. Com o tema “Migração e Casa Comum” e lema: “Amplia o espaço da tua Tenda” (Is 54,2), a Pastoral anima a igreja e a sociedade para a celebrar a Semana do Migrante neste ano de 2024.

 

O convite e partilha de materiais tem como objetivo conscientizar sobre as pautas da Migração. A realidade da migração no Brasil atravessa diversas situações que precisam ser acolhidas para além do gesto concreto da partilha, é necessário avançar para a compreensão e promoção da vida digna.  A SPM disponibiliza todos os materiais e para quem estiver interessado em solicitar materiais impresso, pode preencher o formulário através deste link: https://docs.google.com/forms/d/1syJxTIdMkR_hpqW-d26kIKPNxDdhgUTpCWn8nIkcf78/viewform?edit_requested=true

 

Clicando no link abaixo, você terá acesso ao material em formato digital:

  •  Cartaz
  •  Roteiro para celebração
  •  Roda de conversa
  • Oração da Semana do Migrante
  • Texto Base

https://cepastcnbb.org.br/material-para-a-39a-semana-do-migrante-de-16-a-23-de-junho-de-2024/

 

 

 


quinta-feira, 28 de março de 2024

Plenária da Campanha contra a Violência no Campo reúne organizações para discutir reconstrução do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas

 




Encontro virtual debateu medidas que podem contribuir com o Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, que irá propor ações e políticas de segurança para reformulação do PPDDH


Por comunicação da CCVC


A Plenária Nacional da Campanha contra a Violência no Campo, realizada na última segunda-feira, 18, reuniu as organizações parceiras a fim de discutir propostas para o Plano Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), em contribuição com o Grupo de Trabalho Técnico (GTT) Sales Pimenta, instituído pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), com o objetivo central de propor a criação de políticas de proteção para o Programa.

A Plenária, que ocorre três vezes ao ano, tem como objetivo alinhar ações, dar encaminhamento e partilhar sobre a incidência da Campanha nos territórios. Na segunda-feira, porém, a proposta foi mais específica: discutir e propor sobre estratégias em relação à reconstrução do programa de defensores e defensoras de direitos humanos que existe atualmente.

O coordenador-geral do PPDDH no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Igor Martini, afirmou que, em 2023, a sociedade civil retomou um diálogo com o governo federal ao criar o GTT Sales Pimenta. “Com a decisão da Corte Interamericana, de outubro de 2022, o grupo de trabalho passa a organizar consulta com a sociedade civil”. Martini também informou que o programa recebeu mais de 50 propostas de atividades. “As propostas serão sistematizadas por consultores”, garantiu o coordenador-geral do programa no evento desta segunda.

Durante o evento, para a discussão do GTT, quatro eixos temáticos foram estabelecidos, sendo eles o Eixo 1: Fortalecimento dos/as defensores/as e da proteção popular; Eixo 2: Institucionalidade protetiva; Eixo 3: Investigação e Responsabilização; e Eixo 4: Medidas protetivas e de reparação. Também foram apresentadas três perguntas orientadoras, específicas para cada eixo, com objetivo de fazer um diagnóstico geral e pensar em propostas relacionadas às problemáticas levantadas pelas organizações.

Presente no evento virtual, Paulo César Carbonari, do Conselho Nacional de Direitos Humanos e professor de filosofia no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE), disse acreditar que a primeira ação para fortalecimento de defensores/as e proteção popular é garantir o cuidado de uns com os outros, autoproteção e proteção coletiva. Segundo ele, é necessário apostar e fortalecer o trabalho de elaboração das denúncias de violações. “As denúncias têm um grande peso político na luta por justiça e garantia de ferramentas para proteção”, afirmou.

“A capacidade da sociedade civil e das organizações de fazer incidência política e exigir a garantia dos direitos humanos”, diagnosticou Carbonari ao debater como é possível promover a autonomia e independência da atuação das pessoas defensoras de direitos humanos, comunicadoras e ambientalistas, especialmente em comunidades vulneráveis.

Antônio Veríssimo, liderança do povo Apinajé, Aldeia Cocalinho, no Norte de Tocantins, acredita ser preciso antecipar as várias formas de violência contra as comunidades. Para isso, deve-se conhecer o território e fortalecer as redes internas de proteção, como as brigadas de incêndio e associações.

“Não se pode confiar na polícia e em agentes do Estado, pois este é também violador de direitos dos povos, mas devemos cobrar do Estado o reconhecimento dos direitos e fortalecimento dos programas de proteção”, afirmou. “Temos que proteger nosso bem maior que é a nossa vida e os nossos territórios, não podemos ficar o tempo todo contabilizando vítimas, temos que garantir nossa segurança e autoproteção”, concluiu.




Ao discutir quais medidas são necessárias para qualificar e ampliar a presença e a implementação de Programas Estaduais de Proteção, incluindo recursos financeiros, Ingrid Hrusa, do MDHC, analisa que há dificuldades políticas para acessar o Governo para implantar o programa. Segundo a advogada, é preciso uma ação do Ministério para estabelecer diálogo com os governos dos estados, principalmente, com aqueles em que não existe o programa. “Sem diálogo efetivo com o Estado, não há política”, destaca.

“É preciso trabalhar na questão da qualificação dos procedimentos do programa. O PPDDH é um programa novo, mas possui a característica também de proteger o local para proteger a possibilidade de militância. É necessário estabelecer procedimentos claros e objetivos. Primeiro, estabelecer diálogo com os governos de estado onde não há programa. Depois, aprimorar os procedimentos do programa”, propõe Hrusa.

Já no eixo de Investigação e Responsabilização, uma das medidas pensadas para qualificar a apuração e responsabilização dos crimes contra defensores e defensoras foi a construção de uma dinâmica para apuração e responsabilização de crimes contra defensores e defensoras de direitos humanos. Para isso, a federalização deste tipo de crime pode garantir que a investigação fique mais distante e isenta dos interesses e forças locais.

“Indígenas estão em programas de defensores e continuam sendo assassinados. É preciso uma dinâmica mais coletiva para proteção, sem ter um  ponto focal. Sentimos que há produção vexatória que desqualifica aquela liderança e tenta demonstrar que a liderança tem algo que tira a legitimidade dela. Quais órgãos podem investigar? A intervenção tem que ser imediata”, exemplificou Matias Rempel, da coordenação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Ao debater maneiras eficazes para identificar e implementar medidas protetivas e de reparação, Rafael Pimenta, irmão de Gabriel Pimenta, advogado e defensor assassinado a quem o nome do GTT presta homenagem, reforçou a importância da denúncia para que a pessoa ameaçada não fique isolada. Ele propôs que, para os advogados ameaçados, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local tenha, aproximadamente, 72h para comunicar a OAB estadual que deverá informar a polícia federal. “Para as demais pessoas, é importante criar um protocolo para que a denúncia seja feita para alguma organização, que encaminhe a denúncia à PF e a todos os demais órgãos relevantes”, explicou Rafael.

Por fim, ao identificar quais as responsabilidades do setor privado e dos empreendimentos, Renata Fortes, da Articulação Agro é Fogo, lembrou do papel da comunicação, na linha de frente, nesta questão. “Hoje em dia todas as comunidades precisam de comunicadores locais. Eles preenchem um papel fundamental no registro de provas sobre as violações, uma vez que estão toda hora usando dispositivos de gravação, como celular e filmadoras. É importante apoiar e fortalecer mais esses comunicadores e treiná-los para que saibam e tenham condições de usar os materiais coletados para a produção de provas”, exemplificou Renata.




Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta

O GTT Sales Pimenta foi instituído em 2023 com objetivo central de propor a criação de políticas de proteção para os defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. A atuação do GTT tem como finalidade principal a elaboração de um plano nacional, com metas ações, indicadores, responsáveis e prazos. Além de um anteprojeto de lei para atualizar e melhorar o programa de proteção de defensores de direitos humanos que existe atualmente.

O GTT leva o nome de Gabriel Sales Pimenta, advogado e defensor de direitos humanos que foi assassinado, em 1982, por atuar na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais no Pará. Gabriel havia sido ameaçado de morte e solicitou a proteção estatal, porém, foi brutalmente assassinado.

Em outubro de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro como responsável pela violação dos direitos à proteção e à integridade da família de Gabriel Sales Pimenta. Entre as determinações, estava a criação de um grupo de trabalho para que o Estado brasileiro identifique as causas da impunidade, além de medidas de reparação, tratamento psicológico aos familiares da vítima, implementação de medidas de satisfação, garantia de não repetição e indenizações compensatórias para a família.

Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH)

O PPDDH foi criado, pelo Governo Federal, em julho de 2019, O Programa tem como objetivo oferecer proteção às defensoras e aos defensores de direitos humanos, comunicadoras e comunicadores e ambientalistas que estejam em situação de risco, vulnerabilidade ou sofrendo ameaças em decorrência de sua atuação em defesa desses direitos.

Vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC, o programa "articula medidas para a proteção de pessoas ameaçadas em decorrência de sua atuação na defesa dos direitos humanos".

Atualmente, o procedimento de ingresso no PPDDH possui as seguintes etapas: exame de admissibilidade e análise do pedido (fases desempenhadas pelas equipes técnicas); e apreciação do caso pelo Conselho Deliberativo. São requisitos para inclusão de casos: ser defensor/a de direitos humanos; estar em situação de risco e ameaça; existir nexo de causalidade entre a ameaça sofrida e a defesa de direitos humanos realizada.

 

Ameaças de morte

O caderno de conflitos no campo de 2022, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que houve 206 ameaças de morte no campo, um aumento de 43,05% em relação ao ano anterior. Na série histórica de 2013-2022 (10 anos), registou-se que 28% dos assassinatos foram precedidos de ameaças anteriores. 

 

Para Andréia Silvério, da coordenação nacional da CPT e da Coordenação da Campanha Contra a Violência no Campo, “a grande maioria dos defensores e defensoras de direitos humanos ameaçados e inseridos no programa de proteção no Brasil, seja em programa federal ou estadual, são defensores relacionados à luta pela terra, território e defesa do meio ambiente. É exatamente esse público com o qual a Campanha contra a Violência no Campo trabalha. Trabalhamos com atendimento, com fortalecimento da luta das comunidades do campo, das águas e das florestas. São essas as comunidades, as lideranças que estão sofrendo com as ameaças. Então, para nós foi um momento extremamente marcante realizar essa escuta da sociedade civil, com o objetivo de fortalecer a atuação do GTT Sales Pimenta, que vai discutir, ouvir a sociedade civil e propor para o governo federal um novo Plano Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. O nosso objetivo com a realização dessa atividade foi contribuir com o fortalecimento da atuação dessas pessoas, defensoras e defensores de direitos humanos, e propor para que essas pessoas possam atuar com segurança nos seus territórios”, concluiu Silvério.

 

Para mais informações sobre a Campanha Contra a Violência no Campo, entre em contato pelo email (contraviolencianocampo@gmail.com) e acompanhe pelas redes sociais (IG: @contra_violencia_no_campo | FB: Campanha Contra Violência no Campo)